sábado, 17 de outubro de 2009

PROJETO DE LEI 728/09 do prefeito Márcio Lacerda
PARECER JURÍDICO E POLÍTICO

Não ao art. 13 e revisão de outros artigos

No último dia 29 de setembro de 2009, foi realizada Audiência Pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte para tratar do Projeto de Lei (PL) nº 728/09 encaminhado pelo prefeito Márcio Lacerda àquela casa legislativa. Esse projeto regulamenta a implantação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na capital mineira autorizando o executivo a promover desoneração tributária em favor das empreiteiras, doar áreas do município para a realização dos empreendimentos, realizar aporte financeiro para o programa, dentre outras disposições.
A audiência foi convocada pela vereadora Neuzinha Santos (PT) e contou com a presença de aproximadamente 100 coordenadores de núcleos e associações de sem casa, além de representantes de organizações e movimentos de atuação no campo da Reforma Urbana. A mesa da audiência era formada por parlamentares, secretários de governo, Caixa Econômica Federal, pelo presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (SINDUSCON-MG) e dois representantes da COMFORÇA.
Infelizmente, um espaço que seria para debater o referido projeto, levantando os seus benefícios e também suas limitações, se transformou num verdadeiro “show de auditório” conduzido pela vereadora Neuzinha Santos. Essa parlamentar vetou qualquer possibilidade de crítica ao projeto, cerceando o direito à voz dos participantes que não compunham a mesa. Assim, apesar da audiência ter se prolongado das 13:30 às 16:45 horas, não houve qualquer debate e o projeto ficou ileso a críticas.
Importante observar que o PL 728/09 está tramitando em regime de urgência na Câmara Municipal, sem nenhuma abertura para discussão com o maior interessado: o povo de Belo Horizonte.
Diante deste lamentável episódio que, em verdade, apenas reflete o caráter antidemocrático da atual administração municipal, apresentamos ao conjunto da população de Belo Horizonte nossas críticas ao PL 728/09, em especial ao seu artigo 13. Também distribuiremos este parecer aos 42 vereadores(as) daquela Casa Legislativa.

· Sobre o artigo 13 do PL 728/09

Assim prevê o art.13 do PL 728/09 que regulamenta o Programa Minha Casa Minha Vida em BH:
“As famílias que invadirem áreas de propriedade pública ou privada a partir da data de publicação desta Lei não serão contempladas pela mesma.”
O dispositivo é claramente inconstitucional, pois fere de morte o princípio da igualdade previsto no art. 5º da Constituição da República: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Este princípio constitucional, de observância obrigatória, veda esse tipo de discriminação com caráter claramente político. Assim, ao excluir do Programa Minha Casa Minha Vida as famílias que “invadirem” imóveis públicos ou privados, a Prefeitura está propondo a aprovação de critério discriminatório para fins de contemplação afrontando a Constituição de 1988.
A norma também viola o art. 22 da Constituição da República que prevê como sendo competência privativa da União legislar sobre matéria de direito penal. Assim, o município não possui competência para criar sanção de natureza penal para punir as famílias que ocupam áreas privadas ou públicas. Na justiça brasileira, aliás, as ocupações de imóveis ociosos são geralmente tratadas no campo do direito processual civil, por meio de ações de reintegração de posse com pedido liminar. Muitos tribunais têm entendido que nem mesmo o crime de esbulho possessório, previsto no Código Penal, pode recair sobre famílias que realizam ocupações pacíficas em áreas que descumprem a função social da propriedade. Em Belo Horizonte, por exemplo, nos últimos anos não se tem notícia de condenação penal por esbulho possessório nas ocupações urbanas organizadas ou espontâneas.
Não bastassem essas inconstitucionalidades, o art. 13 do PL 728/09 viola a própria Lei Federal do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº 11.977/09) quando esta prevê no § 3º, do art. 3º, que terão prioridade como beneficiários [do programa] os moradores de assentamentos irregulares ocupados por população de baixa renda. A prefeitura de Belo Horizonte, ao contrário, se furta da responsabilidade de dar uma resposta aos conflitos urbanos, negando o diálogo para o aprimoramento das políticas públicas, punindo com severidade os moradores das ocupações.
Para além dos argumentos jurídicos, o artigo 13 caminha na contramão da formação histórica das grandes cidades. O excedente populacional gerado no campo em função do avanço das forças produtivas na agricultura leva a uma migração em massa da população camponesa para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Essa população, antes excedente no campo, torna-se excedente nas cidades, sem acesso à moradia adequada, trabalho, acesso aos bens de consumo coletivos etc. Tal situação se reflete na ocupação desordenada dos vazios urbanos, levando à formação de aglomerados de vilas e favelas. Em Belo Horizonte, mais de um terço do território foi apropriado dessa maneira pela população pobre. Ora, ao criar esse critério discriminatório, o governo municipal faz prosperar um olhar preconceituoso sobre as periferias da cidade (“invasões”), desconsiderando o exercício legítimo do direito de morar e a própria formação histórica da cidade que diz governar.
Vale dizer, ainda, que a sanção prevista no PL 728/09 nos remete aos tempos dos decretos-lei da ditadura militar, tal o seu caráter discriminatório, punitivo, autoritário e cerceador de direito fundamental. A mesma estratégia foi utilizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso com a aprovação da Medida Provisória 2183/2001 que, dentre outras arbitrariedades, proibiu o INCRA de vistoriar áreas ocupadas por trabalhadores Sem Terra para processo de desapropriação. O objetivo de FHC era desmobilizar o MST quando as ocupações de terras garantiram algum avanço da reforma agrária no país. Da mesma forma, o governo do prefeito Márcio Lacerda pretende calar as forças sociais e políticas que estão fora do seu campo de influência, criminalizando-as.
A norma também representa um atrelamento da prefeitura municipal com a especulação imobiliária que ainda retém grandes glebas urbanas para valorização. Ao governo não importa que os vazios urbanos retidos pela especulação prosperem em detrimento da função social da propriedade e do próprio direito à cidade.
Na prática, o art. 13 e outros dispositivos do PL 728/09 representam uma defesa dos interesses do capital imobiliário. Antes de defender os direitos dos proprietários, o poder público municipal tem o dever de defender os direitos da maioria da população que vive condenada a uma desigualdade gritante.

· SOBRE A DOAÇÃO DE TERRAS DO MUNICÍPIO

O PL 728/09, logo no primeiro artigo, autoriza o Executivo a doar bens imóveis públicos para implantação do PMCMV ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) gerido pela CAIXA. A medida é bem vinda, pois é destinada às famílias com renda mensal de até 03 salários mínimos que representam aproximadamente 90% do déficit habitacional.
Entretanto, essa forma de alienação de imóveis públicos, de maneira ampla e genérica, sem especificação unitária destes imóveis, é ilegal. A lei federal das licitações (Lei nº 8.666/93) prevê que a doação de bens públicos deve ser autorizada pelo legislativo e precedida de avaliação. Por tratar-se de alienação para outra entidade da administração pública (CAIXA), não é necessária a realização de licitação. De todo modo, é vedado à lei municipal criar autorização genérica para que o executivo aliene qualquer imóvel para os fins contidos na lei, elegendo discricionariamente quais serão esses imóveis em prejuízo da fiscalização e do controle por parte do Poder Legislativo sobre cada bem doado.
Ora, o mesmo prefeito que há pouco tempo dizia à imprensa não haver terrenos disponíveis na cidade para o PMCMV agora pretende obter uma autorização genérica do Legislativo para doar áreas públicas.
Assim, cabe à Câmara Municipal requerer do Executivo a especificação dos imóveis que este pretende doar ao FAR para que aquela Casa autorize ou não a respectiva alienação conforme o interesse público.
De nossa parte, exigiremos que o Executivo municipal inclua dentre os imóveis a serem doados aqueles que se encontram ocupados por famílias de baixa renda em situação de insegurança da posse, como é o caso da fração pública do terreno da Ocupação Camilo Torres em que vivem 40 famílias pobres.

· SOBRE A ISENÇÃO DE TRIBUTOS PARA AS EMPREITEIRAS

O PL 728/09 também prevê a isenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) para o serviço de execução de obras de construção civil vinculada ao PMCMV, para a implantação de moradias destinadas a famílias com renda de até 3 salários mínimos. Famílias com renda de até 6 salários mínimos também seriam beneficiadas pela medida na proporção de uma unidade para cada duas unidades destinadas a famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos.
A previsão beneficia diretamente a indústria da construção civil e, indiretamente e em segundo plano, as famílias que serão beneficiadas pelo PMCMV. Cabe lembrar que, diferentemente dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro que fixaram o teto de R$ 52 mil por unidade construída, em Minas esse montante foi estipulado em R$ 46 mil. Assim, as empreiteiras formaram um lobby em Minas e estavam dispostas a boicotar os empreendimentos destinados às famílias com renda mensal até 3 salários mínimos. A isenção do PL 728/09 irá aumentar a rentabilidade dos negócios destinados a essa faixa de renda beneficiando as construtoras. Em tese, todos (empresas e mutuários) sairiam ganhando.
Cabe aqui uma importante ressalva. O executivo deve prever na lei como será feita a compensação tributária, ou seja, como irá compensar as perdas de arrecadação com a desoneração tributária prevista no PL 728/09. Essa determinação esta contida na Lei de Responsabilidade Fiscal e na própria Constituição da República.
Evidentemente, a renúncia de ISS em benefício das incorporadoras irá significar grandes perdas de arrecadação, sobretudo em um município como Belo Horizonte que tem a prestação de serviços como grande motor da economia. Não basta o prefeito afirmar (como o fez na exposição de motivos do PL 728/09) que os empreendimentos irão gerar empregos, movimentar a economia e compensar as perdas. É preciso que sejam previstas na lei medidas concretas para garantir a compensação fiscal de modo a não onerar excessivamente o tesouro e, via de conseqüência, outros setores da vida social, como saúde e educação.
Para reduzir os custos da produção, viabilizando a realização de mais empreendimentos, o executivo deveria, além das doações de áreas públicas, desapropriar por interesse social áreas ociosas, retidas pela especulação imobiliária. O instrumento da desapropriação é menos dispendioso do que a simples compra. Como a terra é o insumo mais caro do processo produtivo da habitação, isso contribuiria para potencializar os empreendimentos.


· SOBRE A FALTA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR (CONTROLE SOCIAL)

Outro ponto problemático do PL 728/09 é a inexistência de previsão relativa à participação popular na implementação do PMCMV em Belo Horizonte. A prefeitura de Belo Horizonte, desde os tempos da gestão Patrus Ananias, vangloria-se da abertura de espaços para “participação democrática” da sociedade civil organizada. O PL 728/09, por sua vez, não possui nenhuma previsão de participação dos movimentos de luta pela moradia quanto à realização dos empreendimentos, gestão dos recursos, critérios para escolha dos beneficiários, tipologia das unidades, escolha das áreas adquiridas ou doadas pelo poder público etc.
O PL 728/09 sequer respalda os espaços de “participação democrática” que já existem, tais como Conselho Municipal de Habitação e COMFORÇA. Bem sabemos da submissão destas estruturas com a atual gestão, apesar disso, esses espaços podem permitir um maior controle social por parte dos movimentos sociais, mesmo por parte daqueles que não estão neles organizados.
Nesse ponto, cumpre acrescentar, por fim, que a auto-gestão dos empreendimentos, sem a participação das construtoras na totalidade dos projetos, poderia ser uma alternativa para maximizar o número de beneficiados. Bem sabemos que o movimento popular organizado pode construir unidades por um custo em muito inferior àquele previsto pela indústria da construção civil.

· CONCLUSÕES

Finalmente, não fosse esse PL 728/09, o PMCMV seria uma ilusão em nosso município, e todas as pessoas com renda mensal inferior a 3 salários mínimos cadastradas pela prefeitura de Belo Horizonte (mais de 200 mil!) ficariam a ver navios. Com a aprovação do PL 728/09 REESCRITO SEM AS INCONSTITUCIONALIDADES E equívocos abordados acima, pode ser que algumas milhares de famílias com baixa renda sejam beneficiadas. Entretanto, temos de defender uma lei atenta aos interesses das maiorias segregadas da cidade em que vivem.
Não podemos em nome da celeridade de tramitação do projeto, obviamente justificada pelas eleições que se aproximam, aprovar uma lei com deficiências estruturais, tais como as ilegalidades acima apontadas. A implantação do PMCMV em Belo Horizonte deve estar focada na população de baixa renda que não consegue acessar os financiamentos convencionais para compra da moradia e não nos interesses das construtoras que, como é de se esperar, buscam majorar cada vez mais seus lucros, especulando com a terra urbana, produzindo unidades de qualidade questionável, auferindo isenções fiscais e, muitas vezes, lesando mutuários com contratos abusivos.
Acreditamos ser possível beneficiar grande número de famílias de baixa renda sem atentar contra a Constituição da República, sem comprometer o tesouro municipal em beneficio das construtoras, sem criminalizar os movimentos e organizações de luta pela Reforma Urbana.
Quanto ao malfadado art. 13, o líder de governo na Câmara Municipal, vereador Paulo Lamac (PT), afirmou na imprensa mineira que a medida tem caráter pedagógico, com o objetivo de desestimular novas “invasões” de terrenos como a que ocorreu em abril deste ano no bairro Céu Azul (Ocupação Dandara). Mais eficaz do que punir essas famílias sem casa que ocupam imóveis abandonados por estado de necessidade, seria garantir o respeito à Constituição que assegura a todos e a todas o direito a uma moradia e a preservação da dignidade da pessoa humana. Isso sim seria pedagógico!

Esperamos que os(as) senhores(as) vereadores(as) da Câmara Municipal de Belo Horizonte analisem o Projeto de Lei nº 728/09 com muita serenidade, sob o prisma da Constituição e dos interesses da coletividade que representam.

Esse é o nosso parecer.

José Luiz Quadros de Magalhães –Dr. em direito Constitucional, professor da UFMG e PUCMINAS.
Élcio Pacheco – Advogado Popular (RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares)
Fábio Alves dos Santos – Advogado Popular (SAJ- Serviço de Assistência Jurídica da PUC Minas)
Frei Gilvander Luís Moreira – Comissão Pastoral da Terra
Lacerda Santos Amorim – Fórum de Moradia do Barreiro
Joviano Mayer – Brigadas Populares
Irmã Rosário – Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

MOÇÃO DE REPÚDIO

A Frente de Resistência Urbana, por meio das organizações reunidas no Encontro Nacional realizado em São Paulo, entre os dias 05, 06 e 07 de setembro, manifesta seu repúdio diante da postura da Prefeitura de Belo Horizonte e do Conselho Municipal de Habitação desta cidade, quanto ao tratamento dado às ocupações ameaçadas de despejo forçado. Recentemente, o Prefeito Márcio Lacerda (PSB) enviou à Câmara Municipal de Belo Horizonte Projeto de Lei que regulamenta o Programa Minha Casa, Minha Vida prevendo, em seu artigo 13, que “as famílias que invadirem áreas de propriedade pública ou privada a partir da data de publicação desta lei não serão contempladas pela mesma” (PL n° 728/09). Essa norma vai na contramão da formação histórica das periferias urbanas e nos remonta aos tempos da ditadura militar, quando a luta pela garantia dos direitos fundamentais recebia como resposta a prescrição de severas sanções cíveis e penais, fruto do autoritarismo de Estado.
O referido artigo, além de claramente inconstitucional, fere a própria Lei Federal do Minha Casa, Minha Vida quando esta, apesar de seu atrelamento com os interesses do capital imobiliário, prevê que as famílias de baixa renda que moram em “assentamentos irregulares” terão prioridade para fins de contemplação (Lei n° 11.977/09, art. 3°, § 3°). Nesse sentido, reiteramos nosso apóio às famílias belorizontinas ameaçadas de despejo forçado de modo a fortalecer a luta contra a intransigência e o extremismo da Prefeitura de Belo Horizonte.

FRENTE DE RESISTÊNCIA URBANA:

Quilombo Urbano (MA) – Círculo Palmarino (PA) – MTST (PA) – MTST (RR) – MTST (AM) – Movimento de Famílias Sem Teto (PE) – Movimento dos Conselhos Populares (CE) – Brigadas Populares (MG) – Fórum de Moradia do Barreiro (MG) – Ocupação Zumbi dos Palmares (RJ) – MTST (RJ) – Ocupação Chiquinha Gonzaga (RJ) – Rede Contra a Violência (RJ) – MTST (SP) – MUST (SP) – MTL (SP) – Movimento Passe Livre (SP) – Associação de Familiares (BA) – MSTB (BA) – MTST (DF

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Carta Resposta à Prefeitura e ao Conselho Municipal de Habitação)

As Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro tornam pública sua resposta à nota de esclarecimento do Conselho Municipal de Habitação (CMH), datada do dia 23 de julho de 2009.O Conselho Municipal de Habitação aprovou em sua reunião uma carta na qual tece um conjunto de considerações acerca das Ocupações Camilo Torres e Dandara. Um documento repleto de inconsistências em relação aos propósitos das ocupações e às organizações envolvidas. Por meio da presente resposta, buscaremos avançar no debate e esclarecer as questões controversas para que a verdade seja conhecida por todos e para que as possibilidades de solução do drama das famílias sem-teto deste município seja construída de forma pacífica e dentro de um ambiente de diálogo maduro, edificado sobre o respeito mútuo.As ocupações Camilo Torres e Dandara foram construídas como forma de luta pela efetivação de um direito constitucional básico, a moradia digna (art. 6º, CR/88). Contudo, esse direito vem sendo violado em decorrência da enorme pressão que os especuladores imobiliários exercem no cenário político da capital mineira. Associado a esse fato, a ausência de diálogo por parte da Prefeitura de Belo Horizonte amplia as dificuldades de construção de alternativas para minimizar o déficit habitacional que hoje supera a marca de 173 mil unidades apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ora, as Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro possuem como princípio a busca do diálogo com as autoridades públicas que estão imbuídas de responsabilidades sobre a política de habitação. Foi assim em todas as ações organizadas pelos movimentos e continuará sendo no futuro, pois acreditamos que o entendimento é a saída desejável de qualquer conflito de interesses. Porém, a Prefeitura recusa o diálogo, recusa receber as lideranças das ocupações, recusa procurar um entendimento. No lugar do diálogo, oferece apenas uma única alternativa, a sua própria, esquecendo o princípio básico de qualquer diálogo: a possibilidade de entendimento a partir da formulação de uma proposta comum e consensual.Recusamos-nos a aceitar o fundamentalismo da Prefeitura de Belo Horizonte, que continua a repetir o discurso desgastado da sua política habitacional que, conforme os dados da própria Secretaria Adjunta de Habitação, acumula a demanda de 13 mil famílias trabalhadoras cadastradas em uma fila interminável e silenciosa. Como se não bastasse sua postura intransigente, a Prefeitura procura dissimular a realidade e convencer os coordenadores de núcleos de sem-casa participantes do Conselho Municipal de Habitação a respaldar suas posições, como ficou claro na nota divulgada. Reiteramos nosso respeito aos coordenadores de núcleos de sem-casa que, em sua maioria, trabalham incansavelmente em prol da dignidade das famílias que representam.Respeitamos os movimentos que ainda acreditam na política habitacional conduzida pela Prefeitura, movimentos estes que contribuíram em sua estruturação e que procuram efetivá-la à sua maneira. Porém, as Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro possuem um outro entendimento. Não percebemos na política habitacional estabelecida condições objetivas de resolução da questão habitacional em nosso município: o orçamento é irrisório em relação à dimensão do déficit e, ao mesmo tempo, não se pode realizar uma política distributiva (no caso a democratização do acesso ao teto) sem confrontar os interesses da especulação imobiliária, que hoje acumula cerca de 85 mil imóveis que não cumprem a função social. Acreditamos que a efetivação do Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/01) representaria um grande avanço no processo de democratização do acesso das famílias sem-teto à uma moradia digna e a garantia do direito à cidade. É necessário que instrumentos como o IPTU progressivo, as ZEIS, as desapropriações, entre outros, sejam implementados para que a propriedade fundiária urbana seja desconcentrada, do contrário conviveremos com o discurso falacioso de que não existem terrenos para a construção de moradias em Belo Horizonte.Nesse cenário, as ocupações Camilo Torres e Dandara, e várias outras formadas espontanemente por toda a cidade, são exemplos claros de que realmente existem terrenos abandonados, que não pagam seus impostos, que não cumprem a sua função social. Por que então não desapropriar? A desapropriação é um ato legal, é um ato de soberania da administração pública. Por que não utilizar do instrumento da desapropriação para garantir a dignidade de milhares de famílias que necessitam de um teto, da mesma forma que tem sido feito para a realização de grandes obras viárias? Esta é a resposta que queremos ouvir da Administração Municipal. Não cabe argumentar que já existe uma política habitacional e que a mesma irá solucionar o problema, posto não ser verdade. Caso a atual política fosse capaz de realizar tal feito, o aumento da demanda estaria contido, mas já se passou mais de uma década e o déficit continua crescendo. O número de famílias com renda mensal de zero a três salários mínimos cadastradas pela Prefeitura no programa Minha Casa, Minha Vida (183 mil), reflete esse quadro alarmante.O Prefeito de Belo Horizonte deve ter a capacidade de dialogar com movimentos e instituições que não possuem a mesma perspectiva política; a diversidade de idéias é um dos pilares de uma sociedade democrática, portanto o diálogo é fundamental. Assim, passamos a esclarecer os pontos levantados pelo Conselho Municipal de Habitação (CMH).1- O CMH questiona: “Por acaso seriam tais famílias (acampadas) mais necessitadas do que milhares de outras que esperam pacientemente serem atendidas?”. A resposta é simples: NÃO. Todos as famílias possuem a necessidade de moradia. A única diferença entre as famílias que esperam e as famílias que vivem em ocupações organizadas é a disposição de luta por um direito que deveria ser universalizado. As famílias que estão acampadas cansaram de esperar, ou mesmo não acreditam que devam esperar por um direito que possuem, acreditam que devem ir à luta, legitimamente. Essa questão levantada na nota do CMH é, sem dúvida, uma tentativa de criar uma falsa polêmica entre as famílias que esperam na fila e as famílias que ocuparam áreas ociosas. Tal oposição não existe, porém a Prefeitura tenta jogar pobre contra pobre, tenta criar um conflito, onde deveria e com certeza nascerá à solidariedade.2- O CMH afirma que negociar com as ocupações significar romper com um pacto entre movimentos e Prefeitura. Devemos esclarecer que uma parcela cada vez maior dos movimentos de sem-casa já não aceita mais a Política Habitacional vigente, isso significa que o momento clama por mudança. Uma nova Política Habitacional deve estar edificada sobre os princípios constitucionais da função social da propriedade e do Estatuto das Cidades. Isso atribuiria uma qualidade nova à luta por moradia, ampliando sua capacidade de atendimento às necessidades da população sem-teto. Portanto, o adjetivo “fura-fila” é ingênuo e desnecessário, o que está em jogo é um novo entendimento sobre o acesso ao espaço urbano, o que está em jogo são as possibilidades constitucionais de acesso à moradia e à cidade, o que está em jogo é a dignidade das dezenas de milhares de famílias sem-teto de Belo Horizonte. A Política Habitacional estabelecida esta atrofiada, não atende a realidade, nesse sentido o diálogo é fundamental para criar soluções que contemplem as posições das partes. A falta de negociação acirra o conflito sem dar respostas para o prolema.3- A nota do CMH afirma que as famílias estão sendo manipuladas. Nada mais falso, as famílias acampadas participam ativamente do processo de decisão e assume politicamente cada ato realizado pelos movimentos, pois fazem parte dos mesmos. As assembléias semanais são nossos espaços de tomada de decisão, portanto cada acampado possui responsabilidade sobre o destino da ocupação, isso é democracia de fato. Convidamos a todos a participarem de uma das assembléias realizadas nas ocupações e verão do que estamos falando. O que a Prefeitura não percebe é que existem outras formas de organização popular fora dos modelos burocráticos estabelecidos pela administração municipal, esses sim realmente manipuladores. Cresce em Belo Horizonte a autonomia dos movimentos em relação à Prefeitura, é isso que assusta, é isso que é difícil de ser aceito pelos porta-vozes da atual política urbana.4- O referido documento faz menção às precárias condições de vida nos acampamentos, isso é verdade, viver em uma barraca de lona não é fácil. Como também não é fácil aguardar até oito anos na tão defendida fila da casa própria organizada pela Prefeitura, pagando aluguel com seus parcos recursos. Portanto, a vida precária da ocupação é o sacrifício a ser feito para conquistar a moradia digna, sem se submeter aos longos anos de espera, sem nenhuma resposta concreta por parte da administração pública. A preocupação sobre o estado de saúde das famílias acampadas demonstrada na nota do CMH não é a mesma demonstrada pela Prefeitura. Ora, até o momento as ocupações não receberam a visita de nenhuma equipe de saúde, nenhum agente público responsável por zelar pela saúde da população. Em suma, a Prefeitura contribui com o cerco feito contra as ocupações, negando acesso à saude, educação e assistência às famílias.5- Nenhum movimento mobiliza famílias por pura provocação à Administração Municipal, as famílias são mobilizadas por suas necessidades. Quanto às promessas de campanhas do Prefeito Márcio Lacerda, que de alguma maneira podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, somos solidários. Entretanto, cabe aos movimentos sociais lutarem para que as políticas públicas não sejam limitadas à vontade do Senhor Prefeito. Autonomia em relação aos governos é o que se espera de tais movimentos e das entidades da sociedade civil para que se possa exigir que os direitos da população sejam efetivados. Portanto, não nos limitaremos a esperar indefinidamente o cumprimento das promessas eleitorais, não lutaremos por meras concessões dos governos, pois essas não dependem apenas da boa vontade do Executivo. Em verdade, lutamos pela efetivação de um direito constitucionalmente garantido. Não discutimos o caráter do Senhor Prefeito, ou a sensibilidade dos seus assessores, não é disso que se trata. Trata-se de um direito que a população sem-teto possui e que deverá ser operacionalizado pelo poder público, não sem pressão popular.6- O CMH provoca: “Desafiamos os líderes de tais ocupações para divulgar o cadastro de quantas e quem são estas famílias, em que bairro e município moravam. Se realmente são de baixa renda, se moravam de favor ou em área de risco de deslizamento ou inundação”. Não temos cadastros secretos, inclusive estão disponíveis nos processos de reintegração de posse que tramitam no TJMG. Uma parcela significativa das famílias já participaram, ou ainda participam dos núcleos de moradia, portanto se enquadram nos critérios da Prefeitura, o problema não é esse, não são os critérios, mas a ausência do direito à moradia como estabelece a Constituição da República. Não criamos nenhuma dificuldade em relação à divulgação dos dados das famílias. Aceitamos o desafio proposto pelo CMH, e aproveitamos a oportunidade para desafiar o mesmo CMH a solicitar ao Prefeito de Belo Horizonte que aceite o diálogo com as Brigadas Populares e com o Fórum de Moradia do Barreiro. Será que terá capacidade de aceitar nosso desafio?7- O CMH afirma: “O Conselho repudia as maldosas insinuações sobre a qualidade das moradias e de obras habitacionais. Estas críticas destrutivas são próprias de quem está fora do movimento.” Os números utilizados em nossos documentos são divulgados pela própria Prefeitura, bem como os dados sobre o déficit habitacional, etc. Portanto, não existem insinuações, são dados objetivos. As críticas realizadas pelas Brigadas Populares e pelo Fórum de Moradia do Barreiro são próprias de quem está em movimento, de que está organizado em um movimento independente em relação à Prefeitura e que, por essa razão, pode criticar o que deve ser criticado, pois não possuem nenhuma vinculação política ou fisiológica com a Administração Municipal.8- Sobre o Programa Vila Viva não há manobra retórica capaz de esconder a realidade deste programa. A audiência pública realizada na Assembléia Legislativa no último dia 19 de maio, confirma nossa posição, uma parcela considerável da população das vilas está descontente com o programa. Desta forma, o consenso em torno desse projeto é falso. São as lideranças comunitárias que não caíram no jogo de ilusões da Prefeitura, pois perceberam que grande parte das famílias moradoras dos aglomerados não terão condições econômicas de viver nos apartamentos oferecidos e logo mudarão para periferias mais distantes. Perceberam a atuação severa da especulação imobiliária nas vilas afetadas, a quebra dos laços de solidariedade e os abusos cometidos pelos agentes da administração pública. Portanto, é falacioso o discurso de que o Vila Viva é um projeto sustentável no tempo, que combate o deficit habitacional e que a melhoria da qualidade de vida da população favelada é o mote do programa.Não precisa ser economista para saber que a real natureza da luta por moradia é a sua função na recomposição salarial, uma vez que a família sem-casa não possui renda suficiente para adquirir sua habitação no mercado, e por isso solicita a intervenção do Estado. Diante da omissão do mesmo, as favelas são uma forma precária que as famílias trabalhadoras possuem para habitarem locais mais próximos dos serviços públicos e do trabalho, com isso conseguem diminuir seu custo de vida. Porém, não é possível remanejar milhares de famílias sem levar em consideração as condições de trabalho destas, a urbanização deve ser acompanhada de um amplo programa de Pleno Emprego para as comunidades atingidas pelas obras. Parece que o CMH não entendeu que as favelas não são apenas um monte de casas aglomeradas, elas não são um problema por si só, elas são o resultado de um mal maior, ou seja, o baixo salário oferecido aos trabalhadores e, ao mesmo tempo, são a solução encontrada pelos mesmos para continuar sobrevivendo na cidade. Portanto, não é possível acabar com o problema sem atacá-lo em suas raízes.9- Esclarecemos que a moradia para a população de baixa renda é dever do Estado, por ser direito fundamental. Assim, não cabe aos apoiadores das Brigadas Populares e do Fórum de Moradia do Barreiro aportarem recursos para a construção de casas nas ocupações, não que os mesmos não desejem, mas por que o volume de recursos necessários ultrapassam suas possibilidades. Quanto à oferta de capacitação para os mesmos, agradecemos a generosidade, porém esclarecemos que temos entre militantes dos movimentos e apoiadores, engenheiros, arquitetos, geógrafos, educadores, advogados, etc que voluntariamente vem construindo uma proposta urbanista para as ocupações, respeitando as áreas de preservação ambiental e o Plano Diretor do Município.10. Esclarecemos, ainda, que temos uma forma de luta diferente das lideranças que compõem o Conselho Municipal de Habitação. Felizmente, nossos métodos de trabalho a cada dia conquistam mais apoio entre as famílias participantes dos núcleos de sem–casa, a cada dia ganham apoio de instituições da sociedade civil, religiosos, lideranças comunitárias, estudantes, professores, movimentos sociais urbanos e rurais, artistas e intelectuais. A legitimidade das ocupações salta aos olhos diante do respaldo alcançado junto aos mais diversos setores da sociedade, sobretudo por que nosso horizonte não se reduz à conquista da casa, mas à construção de uma cidade mais justa e igualitária. Portanto, o que está ultrapassado é a lógica comodista de pensar que não há como mudar as coisas, que a política da Prefeitura é a única possibilidade. Isso sim é um retrocesso. Cria uma lógica de covardia entre as famílias sem-teto, educa as lideranças jovens a sempre abaixar a cabeça e aceitar o discurso oficial do município.As Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro são conscientes que sua forma de atuação não agrada a todos. Dessa acusação somos realmente culpados, e não nos arrependemos, pelo contrário, nos orgulhamos que nossa luta desagrade à especulação imobiliária desta cidade, ou que crie constrangimentos para algumas “lideranças” comunitárias (uma minoria na verdade) que não passam de cabos eleitorais, de pessoas que sobrevivem da miséria das famílias sem-casa, que realizam acordos que apenas os beneficiam. Nos orgulhamos de desagradar aqueles que estão contra a organização autônoma dos trabalhadores.Acreditamos que a função do Conselho Municipal de Habitação é muito maior do que defender as posições da Prefeitura, seria uma traição às famílias sem-teto que os seus representantes se deixassem domesticar pelo governo municipal. O Conselho deveria estar preocupado em promover a solidariedade a todas as formas de luta pela reforma urbana e não em atacar os demais movimentos, as ocupações, o povo organizado em marcha por uma vida melhor.Não será a repressão policial, o ataque, a falta de diálogo, as acusações que resolverão o déficit habitacional na cidade. Acreditamos que é o somatório de várias formas de luta, organizando o povo, aguçando sua consciência, dando voz aos silenciados. Em respeito às 1086 famílias da Ocupação Dandara, em respeito às 140 famílias da Ocupação Camilo Torres, em respeito às 346 famílias da Ocupação Novo Lajedo (agora em processo de regularização fundiária), em respeito às 173 mil famílias sem-teto da Região Metropolitana de Belo Horizonte, as Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro assumem a responsabilidade de lutar na medida de suas capacidades para construção de uma cidade onde caibam todos e todas. Convidamos as lideranças comunitárias honestas, que hoje participam do Conselho Municipal de Habitação a se somarem nessa luta.
LUTAR POR UMA VIDA DIGNA NÃO É CRIME!
Respeitosamente,BRIGADAS POPULARES – FÓRUM DE MORADIA DO BARREIRO
Belo Horizonte, agosto de 2009